
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) [1] negou provimento a recurso especial apresentado pelos dirigentes de uma associação civil, que teve sua personalidade jurídica desconsiderada em processo que versava sobre uso indevido de marca.
A Corte, no acórdão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze, entendeu que é cabível a desconsideração de personalidade jurídica de associação civil, entretanto limitou a responsabilidade patrimonial ao patrimônio pessoal dos associados com poder de direção ou capazes de influenciar na tomada de decisão que configura o abuso da personalidade jurídica.
Em regra, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é aplicável quando comprovado o abuso de personalidade através de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade, ou seja, quando o patrimônio dos sócios se confunde com o da pessoa jurídica ou, ainda, quando a pessoa jurídica é utilizada para atingir fins para os quais não foi constituída. Nesses casos, permite-se que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica seja afastada e se atinjam os bens e direitos dos próprios sócios. É a chamada Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, com previsão no art. 187 do Código Civil.
Apesar de ser um instituto comumente utilizado na resolução de disputas dentro dos tribunais brasileiros, geralmente sua aplicação fica restrita aos modelos jurídicos de sociedades, principalmente as de responsabilidade limitada, havendo poucos estudos e julgados acerca de sua aplicabilidade às associações, fundações e sociedades anônimas.
Assim, o STJ ao decidir sobre a matéria e reconhecer a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica no caso das associações civis, ajuda a ampliar o entendimento e aprimorar a técnica para sua efetiva utilização, evitando conflitos de decisões em outras instâncias.
Ao entender pela aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica no caso das associações civis, o voto do Ministro Marco Aurélio Belizze foi claro em diferenciar o tipo de relação que o sócio e o associado têm, respectivamente, com a sociedade e associação, assim embasando a diferença de tratamento entre a desconsideração de personalidade jurídica em um e outro caso.
No voto, o Ministro asseverou que ao se desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade o que se alcança é um contrato societário, que vincula seus sócios no plano obrigacional – havendo um forte elemento pessoal. Ao passo que, no caso das associações, há um negócio jurídico firmado entre a própria associação e os associados (e não de associados entre si) – não havendo o mesmo vínculo obrigacional.
Dessa forma, há uma diferença entre a posição de comando ocupada por alguns associados e o mero pertencimento a associação, não sendo razoável estender a responsabilidade patrimonial que decorre da desconsideração da personalidade jurídica para o patrimônio pessoal de um grande grupo de associados que não participou dos atos que levaram a aplicação da sanção.
Do voto se extrai o seguinte trecho, que resume e define a decisão:
“Assim, a desconsideração da personalidade jurídica de uma associação civil é admissível, devendo, contudo, ser a responsabilidade patrimonial limitada aos associados com poder de direção ou capazes de influenciar na tomada da decisão que configure o abuso da personalidade jurídica.”
A decisão, assim, busca assegurar a razoabilidade e limitar seus efeitos ao patrimônio daqueles que efetivamente atuam e têm poder de decisão sobre os rumos da associação. São estes associados, membros da direção ou administração da associação, que efetivamente deram causa a aplicabilidade da desconsideração – seja pela confusão patrimonial, seja pelo desvio de função – que efetivamente responderão pessoalmente pelos danos que causarem.
Portanto, serve o referido julgado como alerta para administradores e dirigentes de associações civis, já que estes são os maiores afetados pelo reconhecimento e aplicação do instituto sobre a associação. Cabe aos dirigentes zelar pelo fiel cumprimento dos requisitos que regem a personalidade jurídica da instituição, evitando qualquer decisão que possa ensejar confusão patrimonial ou desvio de função e, consequentemente, a responsabilidade direta por qualquer dano.
[1] REsp nº 1812929 – DF (2019/0130084-7)