
No agronegócio brasileiro, a busca por capital rápido em meio à escalada dos juros fez crescer uma estrutura já conhecida no mercado imobiliário urbano: o sale-and-leaseback. A lógica é direta: o produtor vende a área rural a um investidor, recebe o dinheiro à vista e, no mesmo ato, assina um contrato de arrendamento a longo prazo que lhe garante permanecer na propriedade como produtor. O investidor passa a ser dono da terra e, em troca, recebe o arrendamento. Quando bem elaborada, a operação entrega ao vendedor o fôlego financeiro que ele não encontrou no crédito tradicional e, ao comprador, um ativo físico descontado que gera renda previsível.
Do ponto de vista de empresas em situação de crise, aquelas que precisam saldar dívidas ou financiar a sua expansão sem comprometer a produção, o instrumento resolve três problemas de uma só vez: (i) transforma terra em caixa imediato; (ii) mantém a produção ativa, pois o produtor continua na fazenda como arrendatário, evitando parada e perda de mercado; e (iii) reduz a alavancagem, uma vez que a dívida sai do balanço e o arrendamento, diluído ao longo do contrato, pesa menos no fluxo de caixa.
Para o investidor, o sale-and-leaseback concentra quatro atrativos centrais: (i) desconto de aquisição, pois a fazenda costuma ser comprada por valor inferior ao de mercado; (ii) fluxo de caixa futuro, com contratos celebrados geralmente em prazos longos (10 a 20 anos) que entregam pagamentos previsíveis durante o período; (iii) proteção de capital, já que caso o arrendatário acabe por ficar inadimplente, o bem estará em nome do investidor, que pode realugar ou vender a terra sem necessidade de execução judicial (com exceção da necessidade de ajuizamento de uma ação judicial de despejo); e (iv) potencial de valorização, porque além do arrendamento, o investidor captura a apreciação histórica das terras agrícolas, reforçando o retorno total.
Em muitas estruturas, há uma opção de recompra a favor do produtor: se ele recomprar a terra, o investidor realiza o ganho de capital embutido no preço-alvo; se não exercer a opção, o investidor mantém o imóvel e segue recebendo o arrendamento, criando um cenário de saída equilibrado, com liquidez futura e downside protection. A opção de recompra, caso pactuada, poderá ser exercida a preço pré-definido ou mediante fórmula usualmente praticada pelo mercado que leve em consideração a valorização da área ao longo do tempo do arrendamento.
Na prática, a estrutura apoia-se em dois instrumentos essenciais: (i) escritura de compra e venda, que transfere imediatamente a titularidade da fazenda ao investidor; e (ii) contrato de arrendamento, logo averbado na matrícula, que assegura ao vendedor o direito de permanecer na área como produtor. Assim, o alienante conhece de antemão o preço necessário para readquirir a terra, enquanto o adquirente já parte de uma rentabilidade mínima contratualmente garantida. Em muitos casos, a recompra pode ocorrer de forma escalonada: à medida que o produtor honra o arrendamento, readquire cotas da propriedade ao longo do prazo, reduzindo gradualmente sua exposição. Para reforçar a segurança, o negócio costuma vir acompanhado de garantias adicionais (penhor da produção, seguro agrícola ou ambos) que protegem o fluxo de caixa do investidor e dão previsibilidade operacional ao arrendatário.
Não obstante as vantagens ostensivas, o êxito de uma operação de sale-and-leaseback rural está condicionado à realização de uma due diligence extensa. Ao investidor compete examinar, para além da cadeia dominial e de eventuais ônus reais, a integridade registral (matrícula, georreferenciamento e CAR), a adequação ambiental e a solidez da titulação fundiária; ao alienante arrendatário, por sua vez, cabe quantificar o impacto econômico da alienação temporária do imóvel sobre seu balanço e demonstrar capacidade de adimplir com as obrigações oriundas do arrendamento durante todo o horizonte contratual.
Quando convergem os interesses de um lado do alienante, que busca liquidez imediata sem abdicar da operação, e de outro do adquirente, que deseja um ativo real descontado e um fluxo de pagamentos estável, o sale-and-leaseback configura-se como um caso de special situations em que se capitalizam interesses a princípio díspares das partes. O alienante transaciona o imóvel por valor inferior ao seu fair value, internalizando um fluxo de caixa indispensável à preservação da sua solvência, ao passo que o adquirente incorpora, com desconto, um ativo real remunerado por um fluxo de arrendamento e dotado de opcionalidade para a recompra pelo próprio arrendatário.
Essa relação de risco e retorno beneficia os dois lados: reduz o risco de inadimplência para o produtor e dá ao investidor a segurança de ser dono do ativo, com a possibilidade de ganhar também com a venda futura da terra.
Por: Álvaro Scarpellini Campos
Special Situations | Equipe CPDMA