
A crise financeira que acometeu a Americanas é notória e teve como origem “inconsistências contábeis” declaradas pela empresa em um fato relevante ao mercado. Todavia, as reverberações das referidas inconsistências, que obrigaram a empresa a ajuizar o pedido de processamento de sua recuperação judicial após o bloqueio dos seus ativos [1], são oriundos da quebra dos chamados covenants financeiros [2].
Covenants financeiros (podem ser traduzidos como cláusulas de garantias ou pactos financeiros) são cláusulas incluídas em contratos de financiamento que estabelecem requisitos e limitações para o devedor. Essas cláusulas visam a resguardar a saúde financeira do devedor mediante o cumprimento de certos parâmetros financeiros ou a presença de certas ferramentas de fiscalização.
Os covenants são desenvolvidos com base nas condições específicas do empréstimo e perfil financeiro do devedor. Dessa forma, os covenants são uma ferramenta de proteção ao credor, que poderá exigi-los ao devedor quando da negociação de um empréstimo.
A sua natureza jurídica é mista: os covenants possuirão características de vencimento antecipado, permitindo que o credor monitore a solvência do devedor, como também de cláusula penal, uma vez que um dos efeitos dos covenants é a cobrança de multa pelo descumprimento de alguma condição obrigacional, não ocasionando, necessariamente, um inadimplemento da obrigação principal [3].
Alguns exemplos comuns de covenants financeiros incluem restrições sobre a tomada de dívidas adicionais, exigências de manutenção de certos indicadores financeiros, como rácios de endividamento e liquidez, relatos periódicos financeiros e restrições quanto à distribuição de lucros.
Se o devedor não cumprir os covenants estabelecidos em seu contrato de financiamento, o credor pode ter o direito de tomar certas medidas, como cobrar antecipadamente o empréstimo ou negar futuros empréstimos. No entanto, tais medidas devem ser utilizadas com cautela, pois o credor também tem o interesse em manter uma boa relação com o devedor e garantir a recuperação de seu investimento.
É possível que o credor, ao se deparar com a quebra de covenants, não exija o cumprimento das penalidades impostas, concedendo uma Waiver Fee, que se trata de um instrumento por meio do qual o credor concede a dispensa, renúncia ou perdão pela quebra de certa cláusula pactuada anteriormente, ou a renegociação das limitações impostas à empresa [4].
Antes de assinar um contrato de financiamento, ambas as partes devem cuidadosamente considerar os covenants financeiros e seus impactos potenciais na situação financeira do devedor. É importante ter uma compreensão clara desses termos, para garantir que as partes entendam e aceitem as obrigações estabelecidas. Além disso, é importante considerar o momento da negociação dos covenants e os riscos de variações no cenário macroeconômico, para fins de impedir o descumprimento das obrigações assumidas em decorrência de variações externas que fujam do controle do devedor.
Inclusive, destaca-se, a possibilidade de renegociação entre credor e devedor em caso de eventual mudança estratégica da empresa, que necessite de maior alavancagem (e, consequentemente, não possa mais cumprir com os covenants assumidos [5]. É cotidiana a renegociação das referidas obrigações: em média, contratos de financiamento firmados com companhias abertas são renegociados a cada nove meses [6].
Em resumo, os covenants financeiros são ferramentas importantes para proteger tanto o credor quanto o devedor e garantir a saúde financeira a longo prazo do negócio. A avaliação cuidadosa e a compreensão dos termos dos covenants financeiros são fundamentais para garantir um financiamento equilibrado e bem-sucedido.
Por: Álvaro Scarpellini Campos
Direito Cível | Equipe CPDMA
[2] Utiliza-se como referência o seguinte trecho do pedido Tutela Cautelar em Caráter Antecedente ajuizado pela Americanas em 13/01/2023: “Em consequência, eventuais alterações poderão repercutir no grau de endividamento da empresa e no capital de giro mínimo, exigidos em contratos financeiros, inclusive internacionais, acarretando o descumprimento de cláusulas de “covenants financeiros” e “cross-default”, culminando no vencimento antecipado de dívidas da ordem de R$ 40 bilhões”- Processo nº 0803087-20.2023.8.19.0001, 4ª Vara Cível Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro/RJ;
[5] Sobre a renegociação de covenants: “Vem aí a temporada de quebra de covenants” por Manuela Tecchio.